“A Dor É Inevitável. O Sofrimento Não”

“A Dor É Inevitável. O Sofrimento Não”

Às vezes eu esmoreço. Parece-me que carrego o mundo nas costas. Então, tomo de uma mão espalmada na tela do computador e puxo-a para baixo com o intuito de fechá-la. Jogo o corpo, em sua razão de ser apenas corpo, na poltrona e fecho os olhos. Com um pouco de sorte talvez tire um cochilo. Mas quando essa benevolência não me ocorre, lembro-me do testemunho de uma senhora que sobreviveu a um naufrágio. Os outros sobreviventes, vendo a sua calma, perguntaram-na como conseguiu manter-se tão serena. Ao que ela respondeu: “Deus me deu dois filhos. Um está no céu e o outro na Terra. Então seja para onde eu for, estarei metade triste e metade feliz. Para que me preocupar?”.

Levanto, bebo água enquanto olho, através da janela do 9º andar, um rapaz cabisbaixo que atravessa a faixa de pedestre, não sei o que lhe pesa mais: se mochila que carrega nas costas ou o pés cansados. Vislumbro o cadeirante que pede esmolas entre os carros e lembro de que outro dia lhe ofereci ajuda com a sacola de compras que despencara no chão: “sou cadeirante, moça, não inválido. Vivo e faço tudo sozinho” – Disse-me ele descendo com destreza da cadeira e juntando as laranjas espalhadas. Senti um nó na garganta, um não sei o quê. Achei-o grosseiro, mas ao mesmo tempo corajoso. Ele se conhece, ele sabe superar-se, ele não tem medo de dizer o que pensa, ele acredita em sua força… Ah, sim, ele é melhor do que eu que tento carregar o mundo nas costas por não ter coragem de dizer o que penso sobre determinadas situações, por cerrar os dentes num riso quadrado e afirmativo de um “tudo bem” quando na verdade gostaria de verbalizar um generoso “foda-se”. 

Mas isso é questão de natureza. Acho. Pois eu tenho essa natureza de pedir desculpas mesmo quando penso que não estou errada só para que tudo fique em paz. Com isso termino por não ser eu mesma. Será que a gente aprende a ser autêntico? Será que também se aprende a deixar de ser esse “eu inautêntico” que se adapta a tudo e a todos?

Observar os exemplos é um jeito de aprender e se encorajar a não mover montanhas por coisas e/ou pessoas que não nos reconhecem como “portadores da necessidade especial de seu devido e justo valor”. Enquanto pensava em tudo isso, despejei no copo mais um bocado de água. Quantos minutos se passaram desde que eu me levantei do sofá e vim tomar água? Uns dois? Minha vida inteira se espreme em dois minutos. Mas como ela é eterna. Outro gole e outra olhada no cadeirante: ele está assobiando “Patience” de Guns N’ Roses  – ele faz isso todos os dias. Todos os dias, desde que eu me lembre.  A água não é mesmo a coisa mais preciosa da Terra? Quando volto ao computador, estou rediviva.

Este texto é de autoria da escritora, psicopedagoga e psicanalista Clara Dawn. É proibida a reprodução parcial, ou total, sem sua prévia autorização.(Lei Nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998).

 “A dor é inevitável, o sofrimento não”, é de Carlos Drummond