6 coisas que aprendi com o suicídio do meu filho adolescente

6 coisas que aprendi com o suicídio do meu filho adolescente

Aquele inverno de 1993 nos trópicos goianos, foi excepcionalmente o mais intenso, desde que eu me lembre. Mas a chegada de uma criança numa situação, muda toda a situação. Nascia então no dia 26, meu primeiro filho, Arthur, saudável em termos gerais. E a partir daquele instante de inenarrável estado de felicidade, ‘a mãe’ também nascia, sabendo de antemão que passaria toda a sua existência amando e se dedicando àquela criaturinha como quem precisa zelar do coração, do lado de fora do peito.

Arthur cresceu em sua vida normal e tudo parecia tão perfeito: muito solícito, inteligente, criativo e belo; excelente aluno em todas as escolas que frequentou; tinha muitos amigos e gostava de tê-los sempre por perto, tivesse, ou não, motivos para celebrar. Ele também era poeta e já mostrava isso em suas redações escolares.

Aos 14 anos escreveu um livro de poesias que faziam denúncias contra o capitalismo, que combatiam o abandono parental e apregoavam a prevenção ao uso de drogas. Aos 19 anos, depois de se alistar na aeronáutica, passou no vestibular para cursar arquitetura. Seu desejo então era ser arquiteto da aeronáutica. Sua estrada parecia conduzi-lo a uma vida qualificada e bem sucedida.

E é aqui que entra o “mas”. Mas no final de 2012 enquanto ele cursava o segundo período na faculdade, ele foi minguando: o peso, a aparência, o viço… Era uso de cannabis (que se iniciou aos 15 anos) cobrando um preço jamais esperado. E pouco tempo depois de seu declínio físico, ele entrou em franco surto psicótico. Ouvia vozes, tinhas visões terríveis e não dormia.

“As vozes eram como uma TV, com 200 canais, todos ligados ao mesmo tempo, 24 horas por dia”, palavras dele em seu manuscrito. Ele precisou ser internado para receber um tratamento que o livrasse do surto. Deu certo.

O diagnóstico? “Esquizofrenia concomitante com o uso de cannabis, com risco iminente de suicídio”. O prognóstico? Fazer tratamento medicamentoso pelo resto da vida e nunca mais usar drogas. Assim aconteceu. Durante 5 meses, ele ficou livre das vozes, frequentava o grupo de Narcóticos Anônimos, fazia tratamento com psiquiatra, com psicólogo e já estava fazendo planos de voltar à faculdade.

E aqui tem outro “mas”. Mas ele quis colocar à prova o que a sua psiquiatra disse sobre ser o uso da maconha que desencadeou a esquizofrenia. E planejou a sua recaída contrariando a sua dedicada luta até então. E no seu aniversário de 20 anos, em 26 de junho de 2013, ele fez o seu último passeio pelo jardim das ervas daninhas.

Ele não conseguiu voltar para casa, ficou perdido pelas ruas da cidade por muitas e muitas horas, ouvindo vozes que diziam para ele se matar; “vendo pessoas acéfalas e se escondendo de perseguidores”. Enfim, conseguiu chegar em casa e a partir daí, as suas inúmeras tentativas de autoextermínio, culminaram numa nova internação.

Desta vez, a medicação não foi o suficiente para livra-lo das vozes e ele optou por silencia-las. E partiu o poeta. O futuro arquiteto da aeronáutica foi pintar o céu de um azul mais azul que azul do céu.

6 coisas que aprendi com o suicídio do meu filho

O que eu, enquanto mãe, aprendi com tudo isso? Menciono aqui 6 coisas de uma lista eternamente em construção.

1 – Que a culpa pelo suicídio de uma pessoa, não é de ninguém. Nem mesmo da própria pessoa. Viver dói e crescer dói mais ainda e não podemos julgar a forma com A ou B lida com suas angústias.

2 – Que a prevenção ao uso de drogas e ao suicídio deve ser realizada, sem nenhum tabu, em casa e nas escolas. Devemos falar abertamente com nossos filhos sobre os malefícios da drogadição, especialmente se há histórico de dependência química na família. Porque dependência química e predisposição aos transtornos mentais graves, são coisas que acontecem no mundo e a gente não deve pensar por que comigo? E sim, por que não comigo?

3 – Que a maconha é a droga que mais desencadeia a esquizofrenia em adolescentes geneticamente predispostos. E como predisposição não aparece em exame de sangue, melhor investir pesado na prevenção, em informação e em ajuda qualificada.

4 – Que a dor é insuperável. Tanto faz você “esperar a dor passar” se entupindo de antidepressivo ou transformando- a numa missão afim de salvar outras vidas… seja qual for a sua decisão, a dor não passa. Perder um filho é como perder todos os dentes, você sabe que não vai morrer por isso, mas nunca mais conseguirá sorrir sem pesar.

5 – Que devemos nos interessar profundamente pela vida emocional de nossos filhos (sem sufocar, nem super proteger). Devemos validar suas emoções, pensamentos e sentimentos. E ouvi-los sem julgamentos. Participar das reuniões na escola e sugerir atividades e palestras sobre prevenção à drogadição, ao bullying, aos transtornos mentais e ao suicídio.

6 – Que vale muito a pena tirar tempo de qualidade para estar com os filhos pequenos e adolescentes. Eu sempre vou me alegrar com as lembranças dos dias em que faltei ao trabalho e permiti que as crianças faltassem a escola também, para que, em plena quinta-feira, a gente ficasse o dia todo brincando em casa. A gente fazia esse ritual uma vez por mês. E, às vezes, do nada, a gente dizia: “vamos fazer o dia da bagunça hoje?”. E a gente se curtia imensamente.

P.S Arthur nasceu no dia 26 de junho. Este é o dia em que se comemora o Dia Mundial de Combate ao Uso e ao Tráfico de Drogas. Que ironia, sim? Depois de sua morte eu passei a estudar a infância e a adolescência numa perspectiva preventiva à drogadição, aos transtornos mentais e ao suicídio. Me especializei em suicidologia, neuropsicopedagogia, psicanálise e fundei o IPAM Instituto de Pesquisas Arthur Miranda. Se você tiver interesse em saber mais sobre esse trabalho, nos siga nas redes sociais e leia os nossos estudos em ipamsaudemental.com

Clara Dawn é escritora, neuropsicopedagoga, psicanalista, pesquisadora, especialista em prevenção à drogadição, aos transtornos mentais e ao suicídio na infância e na adolescência. Ela é fundadora do Portal Raízes e do IPAM – Instituto de Pesquisas Arthur Miranda